sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

fala.

Ficou com vergonha de falar. Por bobeira que dá na hora. Parecia que quem estava diante dela não podia ouvir. Não sabia ouvir. Não falou. Por bobeira. E se arrependeu. Sabia. Depois teria que contornar a desculpa mal dada. Era só falar.

Não enrola. Fala. Ponto.

♪ Eu não sei dizer nada por dizer
Então eu escuto
Se você disser tudo o que quiser
Então eu escuto

Fala
Lalalalalalalalalá
Fala

Se eu não entender, não vou responder
Então eu escuto
Eu só vou falar na hora de falar
Então eu escuto

Fala ♪

♪secos e molhados♪

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

carona

O menino chegou apressado ao ponto de ônibus. Pediu para um. Perguntou para outro. Nada. Então sentou-se no pequeno espaço que restava no banco do ponto. Não notou a velhinha ao seu lado. Baixou a cabeça. Era tristonho. A velhinha tinha o olhar fixo nele.

“Tão pequeno... Onde estaria sua mãe”, ela pensava.

Eis que, ao perceber sua presença, ele se vira para ela e pergunta:

- A senhora em um drops?

Silenciosa e pensativa ela coloca a mão direita dentro da bolsa – ainda com aparência de nova, mas adquirida já há umas quatro décadas – e fica a revirá-la. Entre carteira, o batom suavemente rosa, o pente e remédios para o coração, ela encontra o saco plástico com as balas que comprara no Armazém do Zeca. Ela tira uma. A embalagem é verde-musgo, com escritos em amarelo.

- Tenho estas, de menta, filho – deixa escapar.

- A senhora não é minha mãe! – diz o guri com ar valente e continua – Aliás, eu não tenho mãe!

- Tudo bem – ela devolve – eu também não tenho filho

- E filha, tu tem? – questiona ele pegando a bala da mão dela.

- Também não – ela responde.

“Como uma pessoa com a idade dela pode não ter filhos” – divaga o menino enquanto seus cabelos lhe caem sobre os olhos e ele desembrulha o doce que acabara de ganhar e o coloca na boca.

Era mania dele, colocava as balas sob a língua. Salivava bastante pra parecer que tomava um suco adocicado.

Passou o primeiro ônibus. As pessoas embarcaram e lotaram o transporte. Apesar do vento que gelava o rosto, tanto ele, como a senhora, preferiram aguardar a próxima embarcação, que chegou minutos depois, quando o sol já tornara o vento mais quente.

Desta vez, o transporte estava vazio. Os afobados estavam todo na primeira lotação. O menino subiu na frente e parou no primeiro degrau. Como um cortesão de boas maneiras, estendeu a mão para a velhinha para que ela também adentrasse.

...

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A sabedoria viaja com a idade


- Ninguém pensa na velhice quando é jovem... – pausa – ...e nem deve pensar.
- Deve haver alguma coisa boa em envelhecer.
- Não é bom ser cego e coxo ao mesmo tempo, mas na minha idade vi quase tudo que a vida tem para mostrar. Sei separar o joio do trigo e não me preocupar com bobagens.

O estereotipo perfeito de jovem babaca norte-americano se intromete na conversa:
- Então... O que é o pior da velhice, Alvin?
- O pior da velhice... é lembrar da juventude.

Silêncio.

É por diálogos ricos como este que vale a pena assistir ao drama dirigido por David Lynch há 10 anos. A história real, como o nome deixa claro, é um filme baseado em fatos reais. Quando descobre que seu irmão teve um derrame, Alvin (Richard Farnsworth), um senhor de 73 anos, que sofre de artrite e pouco enxerga, resolve que precisa reaver seu amor pelo irmão, após 10 anos brigados.

Sem poder dirigir e com certa aversão a andar de ônibus, ele parte de uma pequena comunidade rural da cidade de Laurens, no estado de Iowa, para viajar até Monte Zyon, Winsconsin, em um cortador de grama John Deere, 1966. Uma viagem de mais de seis semanas em um cortador de grama puxando um pequeno trailer.

Acompanhar uma viagem dessas dá muito o que pensar. Não espere dele uma resposta exata. Mostra como o tempo pode ensinar muito para quem, mesmo à beira da cegueira, sabe enxergar as provas que a vida propõe.

Assista e descubra qual a diferença entre um pequeno galho e um feixe amarrado e o que eles representam. Entre outras maravilhosas lições, claro.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Sempre fomos palhaços

Vivíamos momentos culturais e artísticos muito felizes, porém já fazíamos previsões da nostalgia que sentiríamos daqueles momentos. Éramos palhaços devidamente maquiados e fantasiados, vivendo o que imaginávamos. Logo abaixo do nariz, a boca falava – em alto e irônico tom – em efervescência poética e protestante.

Nossas palavras ecoaram pela praça pública central, bateram num espaço cultural, ecoaram em uma casa noturna, espumaram na calçada em frente ao comércio, mas adentraram mesmo nos ouvidos de amigos etilizados.

E quando cada fragmento desses se encerrava, marcávamos por fim que iríamos saudar aquilo tempos depois. Sabíamos que a sensação seria a mesma que sentíamos daqueles momentos antigos que nem sequer tínhamos vivido, mas queríamos repetir.

Não repetimos, mas fizemos alguma coisa. Se toda a nossa cara a tapa fixou na mente de alguém, deve lhes causar hoje a mesma nostalgia que sentíamos de outras aparições. E isso também nós prevíamos. Para outros deve coçar por todo o couro uma vontade de também fazer um bocado de arte.

Algo me parece estar desonesto nas previsões que fazíamos. Nostalgia, que acompanha tristeza, não é a melhor palavra. Porque aqueles palhaços, me lembro, mostraram que estavam fartos do lirismo comedido e bem comportado. Eles puseram abaixo alguns puristas. Aqueles três bobos embriagaram-se do lirismo dos loucos, do lirismo difícil e pungente dos bêbedos e do lirismo dos clowns de Shakespeare, deixando de lado o lirismo que não era libertação. E mais: eles conseguiam ser alegres o tempo inteiro.

E hoje, apesar de não escancarar palavras pela cidade, raciocinam equilibradamente pensamentos críticos por aí. Sem colocar seu nariz e sua peruca em mais ninguém, mas, num mesmo silêncio que atinge a platéia no momento em que o mágico anuncia o espetáculo, sabem rir por dentro de quem é mais palhaço.

Pois é, não é!?